O subjetivo na escrita culinária: revisitando M.F.K. Fisher

Published by Sunday, July 28, 2013 Permalink 0


O subjetivo na escrita culinária: revisitando M.F.K. Fisher         Betina Mariante Cardoso

Betina Mariante Cardoso

Soon to be translated from the Portuguese to the English

Para mim, a leitura da obra de M.F.K. Fisher (Mary Frances Kennedy Fisher) ultrapassa o prazer literário provocado por sua escrita: trata-se de um profundo enriquecimento pessoal. Meu livro favorito desta autora? É difícil escolher, mas atravessar as linhas de The Gastronomical Me foi um fenômeno transformador.

The Gastronomical Me. by MFK Fisher, photo courtesy of http://www.chanticleerbooks.com/shop/chanticleer/20267.html

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Em uma tradução ligeira, o título é:  “O Eu Gastronômico”.  Sim,  ligeira,  pois há grande força e  simbolismo nas  fibras  deste título.  Apesar de  Mary Frances  explorar  suas histórias e  perspectivas  subjetivas nos textos,  ao ler com  atenção, percebo que  cada um de  nós, para quem o ato  culinário é  precioso, poderia  ocupar a    identidade deste ‘Eu Gastronômico’, deste “Me”, no idioma inglês. Aliás, qualquer um de nós poderia ocupar esta identidade, pois temas como o ‘comer’ e a ‘fome’, também tratados por ela, respondem ao nosso Humano mais profundo.

Na minha leitura, são textos em que a narradora nos empresta seu lugar, seu ponto de vista, para que possamos experimentar suas vivências, como se estivéssemos em seu papel, em sua ‘primeira pessoa’, nos sabores que descobre. Esta característica dá grande força aos seus  textos, através do uso desta narrativa em primeira pessoa do singular.  Ler-nos em suas sensações, percepções, vicissitudes  é aceitar que a autora  nos conduza em uma viagem para dentro de nossas próprias narrativas. Um passeio autobiográfico, então.  E pergunto: cozinhar não é também uma autobiografia, um ‘contar de si’?

OLYMPUS DIGITAL CAMERA

‘Dip’ agridoce de tomates, para aperitivo- receita minha

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Bom, há vários focos de encanto, no conjunto desta obra, que, sem aviso, despertam o leitor para a reflexão. Sou pega de surpresa já pelo trecho de abertura:

[Para ser feliz, você deve ter conhecido a dimensão de suas forças, experimentado as frutas de sua paixão e aprendido qual é seu lugar no mundo]- Santayana

(Tradução livre- Betina MC)

Ao folhear este livro, encontro diversos capítulos de mesmo nome, escritos em datas diversas e entremeados com textos  de títulos diferentes.”The Measure of my powers” (‘A dimensão de minhas forças‘), repete-se uma série de vezes, trazendo à tona a menção ao trecho de abertura, de Santayana; a repetição deste título específico, contudo, dá o tom autobiográfico e intimista de “The Gastronomical Me”.  Sinto, ao percorrer as páginas, a profundidade com que a autora conta de suas histórias culinárias, suas descobertas e reflexões. É como se, a cada um dos capítulos que intitula ‘A dimensão de minhas forças’, ela respondesse ao trecho inicial, contando de sua busca pela dita felicidade.  “Para ser feliz, você deve ter conhecido a dimensão de suas forças”, diz o trecho, e Mary Frances trata de retomar esta ‘ordem’, nos capítulos do livro, mantendo a busca como linha condutora de sua escrita subjetiva.

OLYMPUS DIGITAL CAMERA

Mercado Público: convite aos sentidos…

Se a tônica me parece estar no ‘ser feliz’, há, nas entrelinhas, uma procura ainda mais profunda: a procura pela sua identidade, por suas ‘forças’ e potenciais, por sua essência, facetas de si que ela traduz por sua relação com o universo do ‘comer’e do ‘fazer culinário’.  Para mim, é neste aspecto  que seu ‘eu‘, primeira pessoa do singular, pluraliza-se  e torna-se ‘nós‘; é neste aspecto que o título do livro, “The Gastronomical Me” (“O ‘Eu’ Gastronômico”) destina-se a um plural de sujeitos que se identificam com as sensações, vivências e sentimentos escritos pela autora. Sujeitos em qualquer parte do mundo. É neste aspecto que ela empresta seu pronome ‘Me’ ao leitor, emprestando, também, seus sentidos para que possamos experimentar, em palavras, os sabores, aromas, texturas, sons, gostos e cores de suas cenas. É possível, ainda, ir além desta compreensão: ao abordar a dimensão de suas forças, ou ao exprimir emoções e memórias no conjunto de textos deste livro, a autora não apenas nos empresta sua fome, mas a partilha conosco, seus leitores. Fome que nós, humanos, sentimos.

Fome?

Esta é a palavra-chave da famosa introdução desta obra, em que ela responde por que escreve sobre  comida, e não sobre a luta pelo poder, pela segurança, ou sobre o amor ou sobre a guerra. “A resposta mais fácil é dizer que, como a maioria dos Humanos, eu sinto fome“. E acrescenta, com maestria, que, quando escreve sobre fome, na verdade está escrevendo sobre o amor e a fome por este, sobre o afeto e o amor por este e a fome por este…”Conto sobre mim mesma (…), e acontece, sem que eu queira, que estou contando também sobre aqueles que estão comigo, e sobre sua necessidade mais profunda pelo amor e pela felicidade.”

OLYMPUS DIGITAL CAMERA

Cocada: doce brasileiro de coco, tradicional e saboroso

Sendo o alimento parte essencial da vida de todos nós, bem como as emoções e percepções através dos sentidos, cada indivíduo está presente no texto desta autora; suas experiências coincidem com as nossas próprias lembranças.  Temos em comum a humanidade e, como ela refere, a ‘fome’. Por instantes, nos sentimos personagens de sua autoria; noutras vezes, nos sentimos o ‘Eu Gastronômico’ que escreve as histórias. As fomes são as mesmas.

E, então, a  beleza do último parágrafo deste prefácio está na partilha de sua emoção, com o leitor: “Há uma comunhão para além dos nossos corpos, quando o pão é partido e o vinho é bebido. E esta é minha resposta, quando as pessoas me perguntam: ‘por que você escreve sobre fome, e não sobre guerras ou amor?‘”

OLYMPUS DIGITAL CAMERA

Partilha do meu pão de salame e funcho, no primeiro dia de 2013…

Seja ao ver sua avó fazendo geléias, seja ao partilhar uma refeição com sua irmã e seu pai, seja ao olhar com atenção um cardápio e escolher seu desejo, pela primeira vez: em cada história contada, há algo de nós. Porque, se as emoções são tão diversas em nossa subjetividade, há um ponto em comum em nós, humanos, e que nos torna co-autores destes textos: comemos, sentimos o sabor (ou a falta dele), temos fome, preparamos o alimento, sentimos prazer(aceso ou apagado)…Em qualquer tempo e geografia, comida e emoção nos despertam ou adormecem, nos satisfazem ou nos incompletam, nos nutrem ou nos destroem; seja como for, comida e emoção respondem à nossa necessidade primordial, a fome. Esta, de que Mary Frances Kennedy Fisher fala com tanta profundidade.

É de cada um de nós que a autora conta, quando escreve um texto que intitula: ‘A dimensão de minhas forças’. Você pode não desejar cozinhar, nem desejar escrever sobre a comida ou sobre o ato culinário; entretanto, a leitura desta obra é um passo firme, e prazeroso, na trajetória do comer consciente. E, com certeza, também na trajetória da conscientização de nossa fome pelo amor, pelo afeto, pela segurança, pela felicidade.

bolinhos para o dia dos namorados

Bolo para celebrar o amor!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Minha leitura? A busca é, no fim das contas, pela ‘dimensão de nossas forças‘ e pelo saciar de nossas fomes, quanto mais buscamos conhecer a nós mesmos. Lendo ou cozinhando, descobrimos trechos de nosso subjetivo, experimentamos nossos sentidos e sentimentos. Somos nós, ali, refletidos em temperos ou em palavras. Basta nossa fome pela descoberta.

Obrigada pela visita!

Com afeto,

Betina MC.

_____________________________________________________________________

Sobre mim, Betina Mariante Cardoso

Sou Betina Mariante Cardoso, brasileira, trinta e poucos anos. Nasci e moro  em Porto Alegre, no Sul do Brasil, cidade que amo de coração e onde  vivencio o apego, o calor da família e a constância, virtudes necessárias na  minha vida. Paradoxo, tenho encantos por viajar, romper a linearidade  rotineira, esquecer o mapa no hotel e perder-me pelas ruas dos lugares que  visito. Por quê? Para ter a chance de conhecer aquela confeitaria antiga na  rua lateral, coisa que só o acaso permite.  Tenho uma ligação forte com o conforto do cotidiano mas, quando me torno viajante, parto em busca das descobertas, do desconhecido. É quando  me entrego à Serendipity que as viagens propiciam. E é com este mesmo estado anímico que venho para a cozinha: trazendo comigo a aventura, a curiosidade, o ímpeto pelo novo. Gosto de criar minhas receitas, mas sou também fã dos cadernos culinários, escritos à mão e com manchas de vida em suas páginas. Outro paradoxo. 

Agradam-me os livros, as revistas, os blogs de forno-e-fogão. E tenho verdadeiro encanto pelas ‘Histórias do como-se-faz’, as narrativas orais que transmitem o conhecimento empírico, prático e caseiro, de geração a geração. Escutar uma história de cozinha é, para mim, uma riqueza única, porque faz parte de uma conversa, de uma partilha entre as pessoas. Sou médica psiquiatra e psicoterapeuta, profissão que exerço com amor e dedicação, e que dispara meu olhar para o subjetivo de nossas entrelinhas. Minha segunda atividade profissional é como proprietária de uma pequena editora, a Casa Editorial Luminara, ligação entre  trabalho e espaço de liberdade.

No tempo livre, meu hobby principal é a culinária, desde a infância. Hoje, com a descoberta da ‘food writing‘, realizar a escrita culinária é, para mim, uma prática tão lúdica quanto cozinhar. Realizo algo que chamo de ‘cozinha perceptiva’. Nesta, escrita e a fotografia são ferramentas, pois ampliam a percepção e a descrição dos detalhes do ato culinário, ampliando também a exploração sensorial e a atenção ao presente, com benefícios para o autoconhecimento. Escrever, curiosar, ler, fazer colagens, blogar, viajar e  fotografar são também experiências prazerosas para mim, com altas doses de felicidade.

Espero você nos próximos textos!

Never miss a post
Name: 
Your email address:*
Please enter all required fields
Correct invalid entries

Food Quote: Nelson Mandela on Food

Published by Wednesday, June 12, 2013 Permalink 0

by Jonell Galloway

Nelson Mandela on Food

I was not born with a hunger to be free. I was born free. Free in every way that I could know. Free to run in the fields near my mother’s hut, free to swim in the clear stream that ran through my village, free to roast mealies [corn] under the stars … It was only when I learnt that my boyhood freedom was an illusion … that I began to hunger for it.–Nelson Mandela

Photo courtesy of The Guardian

has provided “the backdrop and occasionally the primary cause for momentous personal and political events in the life of Nelson Mandela.” In his autobiography, he took an innovative approach to history and showed that a great man’s life can be measured out in mouthfuls, both bitter and sweet. With this title, the reader can cook and taste Nelson Mandela’s journey from the corn grinding stone of his boyhood through wedding cakes and curries to prison hunger strikes, presidential banquets and ultimately into a dotage marked by the sweetest of just desserts. Tales told in sandwiches, sugar and samoosas speak eloquently of intellectual awakenings, emotional longings and always the struggle for racial equality. He was always motivated by hunger, either longing for food he couldn’t have, or depriving himself of food in the name of freedom.

“Only the truly food obsessed would read such a statement and consider the stomach from whence it came, but I did and the result is a gastro-political biography entitled Hunger for Freedom, the story of food in the life of Nelson Mandela,” he told Ana Trapedo of The Guardian.

When in prison, he wrote to former wife Winnie: “How I long for amasi (traditional South African fermented milk), thick and sour! You know darling there is one respect in which I dwarf all my contemporaries or at least about which I can confidently claim to be second to none – healthy appetite,” he told Trapedo.

 

Never miss a post
Name: 
Your email address:*
Please enter all required fields
Correct invalid entries

UA-21892701-1